domingo, 2 de março de 2014

O ABOLICIONISTA

Editorial da edição de lançamento do zine "O Abolicionista", que já está circulando por aí e pode ser reproduzido livremente por quem quiser: A MÍDIA É UMA ARMA APONTADA PARA NOSSAS CABEÇAS E PERTENCE A QUEM NOS ESCRAVIZA E DESTRÓI NOSSO PLANETA Nos últimos anos do século XIX, o Brasil era o último país do mundo que não tinha ainda abolido a escravidão. Seres humanos tinham suas vidas roubadas para trabalharem de sol a sol nas fazendas de café e cana-de-açúçar ou nas casas dos ricos, sofrendo os mais perversos maus-tratos e humilhações. Os poderosos e influentes senhores de terra faziam de tudo para que a situação não mudasse. Além de terem poder político, armas e jagunços (inclusive os jagunços oficiais do Exército), os escravagistas já contavam com jornais que os ajudavam a propagar a idéia de que a escravidão era “normal”, “aceitável” e “justa”. Às vezes essa imprensa aliada dos poderosos era tão inescrupulosa que chegava a publicar anúncios de venda e aluguel de negros e negras para todo tipo de serviço. Mas desde aquela época também já existia a mídia independente, feita meio artesanalmente, sem recursos, numa tarefa heróica, para combater a ditadura do discurso único. Foi o caso de O Abolicionista (1880-1881), dirigido por Joaquim Nabuco. É verdade que houveram revoltas de escravos e também AÇÕES DIRETAS de grupos de abolicionistas mascarados que, durante a noite arrombavam portas de senzalas e libertavam escravos cativos. Mas as gazetilhas e panfletos também tiveram importante papel na luta por liberdade ao divulgar as idéias abolicionistas. Finalmente, em 1888 a escravidão foi abolida no Brasil. Mas as elites dominantes nunca aceitaram a libertação dos escravos. Os fazendeiros se sentiram injustiçados por terem perdido suas “propriedades”. E para deixar os ricos sanguessugas ainda mais preocupados, os planos dos abolicionistas para tornar essa terra um mundo mais justo iam além. A luta agora era para que os ex-escravos, libertos, recebessem lotes de terra (inclusive a título de indenização pelos anos de trabalho não remunerado) para poderem começar uma vida nova. Isso não aconteceu até hoje. A divisão de terras não aconteceu, e os grupos político-econômicos que continuaram a dominar o país, na verdade vem se esforçando nos últimos 126 anos para criar e recriar a cada época novas e mais sofisticadas formas de escravização. O trabalho assalariado foi umas delas. Em vez de contratar por salário justo os negros, os proprietários de terra importaram da Europa famintos camponeses europeus, como refugiados de guerras. Prometiam mundos e fundos a eles na Europa, mas aqui não recebiam o prometido, eram expostos a situações degradantes apenas pouco menos ruins às quais os negros estiveram submetidos. Sem terra e sem emprego no campo, os negros iam para as cidades onde eram também marginalizados, criminalizados, discriminados e muitas vezes assassinados impunemente por policiais e militares. Tem sido assim durante toda a história da “República”, que jamais foi democrática. Tendo que pagar aluguel e comida para os mesmos senhores, negros e brancos pobres continuavam escravos de certa forma, pois não tinham outra escolha senão se “vender”, numa fazenda, numa fábrica ou prostíbulo. Nos últimos 126 anos, as elites inescrupulosas promoveram, sempre que acharam necessário, golpes de Estado e outros golpes, para continuarem a manter o poder de fato. O último golpe escancarado foi na madrugada do dia primeiro de abril de 1964, quando generais corruptos derrubaram o governo democrático de João Goulart, que havia anunciado querer fazer reforma urbana, isto é, garantir que todas as pessoas tivessem onde morar; e no caso da população rural, que na época correspondia à metade dos brasileiros, a tão famosa Reforma Agrária, isto é, dar ao menos um lote de terra suficiente para cada família conseguir se manter. Aos ricos não interessa apenas que eles próprios tenham muito. Eles podem ter enormes fazendas, muitos imóveis, fábricas e carros. A eles interessa que nós não tenhamos nada, às vezes nem mesmo o que comer, por que assim eles podem nos obrigar a aceitar trabalhar cada vez mais por cada vez menos. E é por isso que eles financiaram o vergonhoso golpe militar de 1964. O governo militar acabou nos anos 80. Mas essa mudança política aos poucos se mostrou ser apenas de faixada. Nem mesmo os direitos civis mais básicos garantidos pelo artigo quinto da Constituição de 1988 é respeitado pelos poderosos (militares, políticos, patrões). O peso da lei só vale se é contra o pobre. As eleições são uma verdadeira fraude. O povo é chamado a escolher entre dois ou três ou quatro opções, mas esses candidatos já foram previamente escolhidos pelos grupos políticos mais poderosos. E para o sujeito se candidatar, é preciso que antes ele se comprometa a não mexer em certas questões. Além disso, só os candidatos mais ricos (e, portanto, mais canalhas ou mais vendidos às corporações) podem fazer uma campanha competitiva. Soma-se a isso o fato de que as decisões em ministérios, no Congresso e nos tribunais são na verdade sempre negociadas previamente em reuniões secretas em gabinetes, clubes, lojas maçônicas, resorts e puteiros. E essas negociações de bastidores nem são políticas, nem levam o povo em consideração. SÃO REUNIÕES DE NEGÓCIOS. E para manter os negócios em paz, além de extrema violência, os donos do Estado têm ainda uma arma muito poderosa: A GRANDE MÍDIA. Que mente, manipula informação, distrai e entorpece mentes. As principais emissoras de TV e rádio, bem como os grandes jornais e revistas do país não têm compromisso com a Verdade, apenas com os negócios. Os donos da maioria das rádios e TVs são pessoas ligadas aos donos do poder político. São grandes fazendeiros, por exemplo. São aqueles que querem nos escravizar. É o tipo de gente disposta a dar mais um golpe militar e instalar o fascismo que for para nos fazer no século XXI, mais escravos que no século XIX. É por isso que O Abolicionista tem que voltar a circular. É por isso que outras publicações independentes (ainda que clandestinas) devem surgir, bem como devem surgir outras expressões libertárias em todas as artes capazes de arrombar senzalas mentais. Libertar mentes é o caminho para que um dia não haja mais escravidão... DE NENHUMA ESPÉCIE.

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